- Jesus formava seus discípulos envolvendo-os na missão
Jesus não é um professor que tem alunos. Ele é o mestre que tem discípulos e discípulas que convivem com ele. Jesus os formava envolvendo-os na missão que ele mesmo estava realizando em obediência ao Pai. (Lc 9,1-2; 10,1). Eis alguns aspectos desta atitude formadora de Jesus:
- corrige-os quando erram e querem ser os primeiros (Mc 9,33-35; 10,14-15)
- sabe aguardar o momento oportuno para corrigir (Lc 9,46-48; Mc 10,14-15).
- interpela-os quando são lentos (Mc 4,13; 8,14-21),
- prepara-os para o conflito e a perseguição (Jo 16,33; Mt 10,17-25),
- manda observar e olhar a realidade (Mc 8,27-29; Jo 4,35; Mt 16,1-3),
- reflete com eles as questões do momento (Lc 13,1-5),
- confronta-os com as necessidades do povo (Jo 6,5),
- ensina que as necessidades do povo estão acima das prescrições rituais (Mt 12,7.12),
- tem momentos a sós com eles para poder instruí-los (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10; 13,3),
- é severo com a hipocrisia (Lc 11,37-53).
- faz mais perguntas do que respostas (Mc 8,17-21).
- depois de tê-los enviado em missão, na volta faz revisão com eles (Lc 9,1-2;10,1; 10,17-20)
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- O método das parábolas: estar bem por dentro da vida e da Bíblia
Jesus tinha uma capacidade muito grande de contar pequenas histórias para comparar as coisas de Deus com as coisas da vida do povo. A parábola é uma forma participativa de ensinar. Ela muda os olhos da pessoa e a faz ser observadora da realidade. Leva a pessoa a refletir sobre a sua própria experiência de vida, e faz com que esta experiência a leve a descobrir que Deus está presente no cotidiano da vida. Por exemplo, o agricultor que escuta a parábola da semente, diz: “Semente no terreno, eu sei o que é, mas Jesus diz que isso tem a ver com o Reino de Deus. O que será que ele quis dizer com isto?” E aí você imagina as longas conversas do povo em torno das parábolas que Jesus contava.
Em algumas parábolas acontecem coisas que não costumam acontecer na vida normal. Onde se viu um pastor de cem ovelhas abandonar noventa e nove no deserto para encontrar aquela única ovelha que se perdeu? (Lc 15,4). Você faria? Onde se viu um pai acolher com festa o filho devasso, sem dar nenhuma palavra de censura? (Lc 15,20-24). Seu pai faria? Onde se viu um samaritano ser melhor que o levita e o sacerdote? (Lc 10,29-37). A parábola provoca para pensar. Ela leva a pessoa a se envolver na história a partir da sua própria experiência de vida. Só poucas vezes Jesus explica as parábolas. Geralmente, ele diz: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça!” (Mt 13,9; 11,15; 13,43; Mc 7,16). Ou seja: “É isso! Vocês ouviram! Agora tratem de entender!” De vez em quando, em casa, ele dava explicação aos discípulos (Mc 4,34- 34).
3.Conteúdos e Recursos em que Jesus mais insistia
Como ministro da palavra, Jesus vai formando seus discípulos. Neste longo processo de três anos transparecem os conteúdos e os recursos, em que Jesus mais insistia. Eis alguns deles:
- O testemunho de vida. O recurso básico de Jesus é o testemunho de sua vida: “Segue-me” (Lc 5,27). “Venham e vejam” (Jo 1,39). “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,16). O discípulo tem na vida do Mestre uma norma (Mt 10,24-25). Pelo seu testemunho de vida Jesus reflete para os discípulos e para o povo o rosto de Deus: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Jesus vive o que
- A Vida e a natureza. Jesus descobre e revela a vontade do Pai nos fenômenos da natureza: na chuva que cai sobre bons e maus (Mt 5,45); nos pássaros do céu e nos lírios do campo (Mt 6,26-30). As parábolas provocam nos discípulos a reflexão sobre as coisas mais comuns da sua vida: semente e o jeito de agir dos semeadores (Mt 13,3-9), o joio e o trigo (Mt 24-30), o grão de mostarda (Mt 13,31-32), o fermento (Mt 13,33), o tesouro escondido (Mt 13,44), as pérolas (Mt 13,45-46), a rede jogada ao mar (Mt 13,47-50), a semente que germina só (Mc 4,26-29), os vinhateiros (Mc 12,1-12),
- As grandes questões do momento e as perguntas do povo. Por exemplo: o crime de Pilatos contra os romeiros da Galileia e a queda da torre de Siloé que matou 18 operários (Lc 13,1-4); a discussão em torno de quem é o maior (Mc 9,33-36); a fome do povo (Lc 9,13); o ensinamento dos escribas (Mc 12,35-37). Estes problemas funcionavam como gancho para Jesus levar os discípulos a refletir, a cair em si e a descobrir algum ensinamento ou apelo de
- O jeito de ensinar em qualquer lugar. Onde encontrava gente para escutá-lo, Jesus ensinava a boa-nova do Reino: nas sinagogas nos sábados (Mc 1, 21; 3,1; 6,2); em reuniões informais nas casas (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho (Mc 2,23); na praia, sentado num barco (Mc 4,1); no deserto onde o povo o procurava (Mc 1,45; 6,32-34); na montanha, de onde proclamou as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas praças, onde povo carregava seus doentes (Mc 6,55-56); no Templo de Jerusalém, por ocasião das romarias, diariamente, sem medo (Mc 14,49).
- Memorização na base da repetição. Não havia livros, nem manuais como hoje. O ensina era baseado na repetição do conteúdo a fim de favorecer a memorização. Isto ainda transparece em algumas partes dos discursos de Jesus, conservados nos evangelhos. O final do Sermão da Montanha, por exemplo, repete duas vezes, de maneira rítmica, com poucas diferenças, a mesma frase (Mt 7,24-25 e 26-27). A fala de Jesus não é teórica, mas é prática e bem simples, ligada às coisas do dia-a-dia da vida
- Momentos a sós com os discípulos. Várias vezes, Jesus convida os discípulos para irem com ele a um lugar distante, seja para instruir (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10; 13,3), seja para descansar (Mc 6,31). Ele chegou a fazer uma viagem ao exterior na terra de Tiro e Sidônia para poder estar a sós com eles e instruí-los a respeito da Cruz (Mc 8,22- 10,52).
- A Cruz e o sofrimento. Quando ficou claro que as autoridades decidiram matar Jesus, ele começou a falar da cruz (Lc 9,31) e das profecias do Servo Sofredor do profeta Isaías (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9; 52,13-53,12). A menção da Cruz provocou reações fortes nos discípulos (Mc 8,31-33), pois na lei estava escrito que um crucificado era um “maldito de Deus” (Dt 21,22-23). Como um maldito de Deus poderia ser o Messias? A partir deste momento crítico, o eixo da formação para os discípulos consistia em ajudá- los a superar o escândalo da Cruz (Mc 8,31-34; 9,31-32; 10,33-34).
- A Bíblia e a história do povo. Para instruir seus discípulos e o povo Jesus se orientava pela Bíblia. Passando os olhos pelos quatro evangelhos, você percebe que, para Jesus, a Bíblia não era um livro estranho, nem um livro só de estudo ou um manual a ser decorado, mas sim um livro de oração, um espelho onde ele encontrava refletidas sua própria vida e a história do seu Jesus conhecia a Bíblia de cor e salteado. Com a máxima facilidade ele citava a Bíblia para esclarecer e ensinar, para rezar e consolar, e até para discutir e se defender das críticas que recebia dos doutores da lei.
Chama a atenção o uso frequente dos salmos. Ele os conhecia de memória. Eis alguns exemplos:
- Felizes os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5,4; Sl 37,11);
- Felizes os que choram porque serão consolados (Mt 5,5; Sl 126,5);
- Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8; Sl 24,3-4);
- O pai que vê em segredo, escutará a prece feita em segredo (Mt 6,4; Sl 139,2-3).
- O abandono à providência divina (Mt 6,25-34; Sl 127).
- A parábola da vinha (Mc 12,1; Sl 80,9-19).
- O salmo do Bom Pastor” (Jo 10,11; Sl 23).
- No Horto, ele desabafa: “Minha alma está triste” (Mc 14,34; Sl 31,9-10; 42,5-6).
- Na cruz, ele reza: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,1)
- Morre, rezando o salmo: “Em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46; Sl 31,6).
- Atento ao processo de formação dos discípulos
Na formação que dava, Jesus criticava o “fermento dos fariseus” (Mc 8,15; Mt 16,- 11; Lc 12,1), isto é, o fermento da ideologia dominante da época. Hoje acontece a mesma coisa. O fermento da ideologia do sistema neoliberal renasce sempre em nós e na vida das comunidades. Como o fermento dos fariseus, o fermento do consumismo tem raízes profundas na nossa vida e exige uma vigilância constante. Jesus ajudava e forçava os discípulos a viverem num processo permanente de vigilância e de revisão.
Eis alguns casos desta vigilância crítica com relação ao “fermento de Herodes e dos fariseus”:
- Mentalidade de grupo fechado. Alguém que não era da comunidade usava o nome de Jesus para expulsar os demônios. João viu e Ele disse: “Nós impedimos, porque ele não anda conosco” (Mc 9,38). Jesus respondeu: “Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor” (Mc 9,39-40).
- Mentalidade do grupo que se considera superior aos Os samaritanos não queriam dar hospedagem a Jesus. A reação de alguns foi violenta: “Que um fogo do céu acabe com esse povo! ” (Lc 9,54). Queriam imitar o profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-11). Jesus os repreende: “Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados” (Lc 9,55).
- Mentalidade de competição e de prestígio. Os discípulos brigavam entre si pelo primeiro lugar (Mc 9,33-34). A mentalidade de competição já se infiltrava na pequena comunidade ao redor de Jesus. Jesus reage: “O primeiro seja o último” (Mc 9,35). É o ponto em que ele mais insistiu e deu o exemplo: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
- Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Mães com crianças querem chegar perto de Jesus. Os discípulos as afastam. Era a mentalidade do medo de que as mães e as crianças, tocando em Jesus com mãos impuras, causassem nele alguma impureza. Mas Jesus diz: ”Deixem vir a mim as crianças! ” (Mc 10,14). Ele as acolhe, abraça e abençoa.
- Mentalidade de quem segue a opinião da ideologia.Vendo um cego, os discípulos perguntam a Jesus: “Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9,2). Era opinião comum achar que sofrimento e doença fossem fruto de algum pecado. Jesus responde: “Nem ele, nem os pais dele, mas para que nele se manifestem as obras de Deus” (cf. Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe uma consciência nova e uma leitura diferente da realidade.
Tudo isto mostra que Jesus estava bem atento ao processo de formação dos discípulos. Ele tinha visão crítica da sociedade e do “fermento dos fariseus” que os grandes comunicavam ao povo e percebia como este “fermento”, disfarçadamente, já se infiltrava na vida dos discípulos.
JESUS, MINISTRO DA PALAVRA
Um pequeno Manual para Ministros e Ministras da Palavra tendo Jesus como guia e modelo
Carlos Mesters, O.Carm.
Francisco Orofino