17/07 O testemunho de Jesus como Ministro da Palavra
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Não era fácil ser ministro da Palavra de Deus. Havia muitas maneiras de usar e interpretar a Bíblia, a Palavra de Deus. Jesus ensinava os discípulos como usar e interpretar corretamente a Palavra de Deus. Por isso, teve conflitos com os doutores da Lei que tinham uma outra interpretação da lei. Vamos ver de perto (1) os conflitos entre Jesus e os doutores em torno do uso da Bíblia, (2) o jeito de Jesus ultrapassar a letra da Bíblia e buscar o sentido do Espírito, (3) o método de Jesus usar e interpretar a Bíblia.

  1. Conflitos entre Jesus e os doutores da época em torno do uso da Bíblia

A liberdade de Jesus no uso da Bíblia incomodava os conservadores. Eles criticavam Jesus e se recusavam a crer nele (Mc 2,7.16.18.24; 3,2-4.22; 7,1-8). Diziam que Jesus estava acabando com a Lei de Deus (cf. Mt 5,17). Jesus respondia: “Não vim para acabar com a Lei, mas para levá-la ao pleno cumprimento” (Mt 5,17). E dizia aos discípulos: “Se a justiça de vocês não for maior do que a justiça dos escribas e fariseus, vocês não vão poder entrar no Reino de Deus” (Mt 5,17). Os fariseus baseavam suas acusações em textos da Bíblia. Jesus, por sua vez, também tirava sua resposta da Bíblia.

    • Ele lembrava como o Davi transgredia a Lei para atender à fome dos companheiros (Mc 2,25-26).
    • Esclarece o sentido exato da pureza, quebrando assim o literalismo das interpretações dos doutores e dos fariseus (Mc 7,5-8.14-22).
    • Corrige a interpretação dos fariseus a respeito da lei do divórcio (Mt 19,3-9)
    • Critica a visão errada dos escribas sobre o retorno do profeta Elias (Mc 9,11-13).
    • Coloca em dúvida a exatidão do ensino dos conservadores: “Como é que eles podem dizer que o Messias é filho de Davi se o próprio Davi o chama de Meu Senhor?” (Mc 12,35-37).
    • Esclarece João Batista que ficou na dúvida a respeito de Jesus: “É o senhor ou devemos esperar por outro?” (Mt 11,2-3). Jesus usa textos de Isaías para ajudar o amigo João a ler melhor os fatos da vida: “Vão e digam a João o que estão vendo e ouvindo: Cegos veem, coxos andam, leprosos são limpos, e feliz quem não se escandalizar comigo!” (Mt 11,4-6 e Is 35,5-6)
    • Critica os doutores que insistiam na observância da letra da Lei e que, por isso mesmo, já não percebiam o objetivo da Lei: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo. Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (Mt 23,23-24).
  • Critica o fundamentalismo que em nome de uma pretensa fidelidade à letra da Bíblia nega o objetivo da lei: “Vocês são bastante espertos para deixar de lado o mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês. Com efeito, Moisés ordenou: ‘Honre seu pai e sua mãe’. E ainda: ‘Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer’. Mas vocês ensinam que é lícito a alguém dizer a seu pai e à sua mãe: ‘O sustento que vocês poderiam receber de mim é Corbã, isto é, consagrado a Deus’. E essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vocês esvaziam a Palavra de Deus com essa tradição que vocês transmitem. E vocês fazem muitas outras coisas como essas” (Mc 7,9-13).
  • Critica os fariseus que sabiam ler os sinais do sol e da lua, mas não sabiam ler os sinais dos tempos (Mt 16,1-3). Os sinais dos tempos eram os acontecimentos: a queda da torre de Siloé que matou dezoito pessoas (Lc 13,4); os galileus que Pilatos mandou matar (Lc 13,1). Quando o próprio Jesus recebeu a notícia da prisão de João Batista, ele disse: “Esgotou-se o prazo, o reino de Deus chegou! Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia” (Mc 1,14-15). A notícia da prisão de João foi como um apelo de Deus para Jesus. Foi um sinal dos Jesus aprendeu a ler os apelos de Deus nos fatos da vida.
  1. Jesus ultrapassa a letra da lei e busca o sentido do espírito.

Jesus não se fecha na letra da lei, mas esclarece o objetivo da lei, o espírito que deve animar a sua observância. No Sermão da Montanha, seis vezes em seguida, ele diz: “Antigamente foi dito, mas eu digo” (Mt 5,21-22.27-28.31-32.33-34.38-39.43-44). Por exemplo, a respeito do mandamento: “Não matar”, ele diz: “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: ‘Não mate! Quem matar será condenado pelo tribunal’. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que fica com raiva do seu irmão, se torna réu perante o tribunal. Quem diz ao seu irmão: ‘imbecil’, se torna réu perante o Sinédrio; quem chama o irmão de ‘idiota’, merece o fogo do inferno” (Mt 5,21-22). Com outras palavras, só observou plenamente o mandamento “Não matarás” aquele que for capaz de eliminar de dentro de si tudo aquilo que de uma ou de outra maneira possa levar ao assassinato, como raiva, xingamento e briga (Mt 5,21-22). Jesus evoca os três tribunais que nos podem acusar: o tribunal local, o tribunal superior (sinédrio) e o tribunal de Deus (inferno).

Jesus fez o mesmo com o mandamento que proíbe o adultério (Mt 5,27-28). A lei dizia: “Não cometa adultério” (Mt 5,27; Ex 20,14). Jesus dizia: “Eu, porém, lhes digo: todo aquele que olha para uma mulher com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no coração” (Mt 5,28). Se o olho direito leva você a pecar, arranque-o e jogue- o fora! É melhor perder um membro, do que o seu corpo todo ser jogado no inferno” (Mt 5,28-29).

A lei da vingança dizia: “Olho por olho, dente por dente” (Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). Jesus dizia: “Eu, porém, lhes digo: não se vinguem de quem fez o mal a vocês. Pelo contrário: se alguém lhe dá um tapa na face direita, ofereça também a esquerda! Se alguém faz um processo para tomar de você a túnica, deixe também o manto! Se alguém obriga você a andar um quilômetro, caminhe dois quilômetros com ele! Dê a quem lhe pedir, e não vire as costas a quem lhe pedir emprestado.” (Mt 5,39-42)

Fez o mesmo com a lei que dizia: “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo” (Mt 5,43-44) e com a lei que permitia explorar o estrangeiro (cf. Dt 15,31). Jesus dizia: “Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos, e rezem por aqueles que perseguem vocês! Assim vocês se tornarão filhos do Pai que está no céu, porque ele faz o sol nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos” (Mt 5,44-45).

Fez o mesmo com os costumes e práticas da esmola (Mt 6,2-4), da oração (Mt 6,5-

6) e do jejum (Mt 6,16-18). Por exemplo, a respeito da prática do jejum, ele dizia: “Quando vocês jejuarem, não fiquem de rosto triste, como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto para que os homens vejam que estão jejuando. Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa. Quando você jejuar, perfume a cabeça e lave o rosto, para que os homens não vejam que você está jejuando, mas somente seu Pai, que vê o escondido; e seu Pai, que vê o escondido, recompensará você.” (Mt 6,16-18)

  1. Lucas apresenta o episódio de Emaús como método para usar a Bíblia

Nos anos 80, mais de 50 anos depois da morte e ressurreição de Jesus, Lucas escreve o seu evangelho e narra o episódio da conversa de Jesus com os dois discípulos de Emaús para ensinar aos pagãos convertidos das comunidades da Ásia e da Europa como ler e interpretar a Bíblia (Lc 24,13-35). Lucas destaca quatro momentos. Não são momentos cronológicos, um depois do outro, mas são quatro pontos que devem caracterizar a atitude que devemos ter ao ler e interpretar a Bíblia

1º ponto: partir da realidade, ter presente a situação do povo (Lc 24,13-24)

Jesus encontra os dois amigos numa situação de medo e descrença. As forças de morte, a cruz, tinham matado neles a esperança. É a situação de muita gente hoje. Jesus se aproxima e caminha com eles, escuta a conversa e pergunta: “O que é que vocês andam conversando pelo caminho?” A propaganda do governo e da religião oficial da época impedia o povo de enxergar: “Nós esperávamos que ele fosse o libertador de Israel, mas…”.O primeiro ponto é este: aproximar-se das pessoas, escutar a realidade, sentir os problemas; ser capaz de fazer perguntas que ajudem a pessoa a olhar a realidade com um olhar mais crítico.

2º ponto: usar a Bíblia para iluminar a vida e a história do povo (Lc 24,25-27)

Jesus usa a Bíblia para iluminar o problema que fazia sofrer os dois amigos e para esclarecer a situação que eles estavam vivendo. Por meio da bíblia Jesus situa o problema deles dentro do conjunto do projeto de Deus, desde Moisés e os profetas. Assim, ele mostra que a história não tinha escapado da mão de Deus. Jesus usa a Bíblia não como um doutor que já sabe tudo, mas como o companheiro que ajuda os amigos a lembrar o que eles tinham esquecido. Jesus não provoca complexo de ignorância, mas desperta neles a memória.
O segundo ponto é este: com a ajuda da Bíblia, ajudar as pessoas a lembrar o que os profetas ensinaram e transformar a cruz em sinal de vida e de esperança. Deste modo, a cruz que os impedia de caminhar, torna-se força e luz no caminho.

3º ponto: criar um ambiente fraterno de oração e de partilha (Lc 24,28-32)

A Bíblia, ela sozinha, não abriu os olhos dos discípulos. Fez arder o coração, isto sim! O que abriu os olhos e fez enxergar, foi a fração do pão, o gesto comunitário da partilha, a reza em comum, a celebração da Ceia. No momento em que eles reconhecem Jesus, Jesus desaparece. Às vezes, o povo pergunta: “Jesus desapareceu. Foi para onde?” A melhor resposta é esta: “Ele foi para dentro deles, pois eles mesmos ressuscitaram”. Ressuscitados, os discípulos são capazes de caminhar com seus próprios pés.
O terceiro ponto é este: saber criar um ambiente de fé e de fraternidade, de celebração e de partilha, onde possa atuar o Espírito Santo. É ele que nos faz descobrir e experimentar a Palavra de Deus na vida e nos leva a entender o sentido das palavras de Jesus (Jo 14,26; 16,13).

4º ponto: Ressuscitar e voltar para Jerusalém (Lc 24,33-35)

Os dois criam coragem e voltam para Jerusalém, onde continuavam ativas as mesmas forças de morte que tinham matado Jesus. Mas agora tudo mudou. Coragem, em vez de medo! Retorno, em vez de fuga! Fé, em vez de descrença! Esperança, em vez de desespero! Consciência crítica, em vez de fatalismo frente ao poder! Liberdade, em vez de opressão! Numa palavra: vida, em vez de morte! Em vez da má notícia da morte de Jesus, a Boa Notícia da sua Ressurreição! Os dois experimentam a vida, e vida em abundância! (Jo 10,10). Sinal do Espírito de Jesus atuando neles!
O quarto ponto é este: Criar coragem, alegria e partilha. Superar o medo pela certeza de que Jesus ressuscitado está no meio de nós. Irradiar alegria pelo reencontro com Jesus, o mesmo Jesus de sempre que viveu com eles, morreu, ressuscitou e agora está no meio deles. Partilhar entre nós a fé na ressurreição e, assim animar-nos mutuamente.

Resumindo o método de Jesus: A primeira atitude de Jesus: aproximar-se das pessoas, caminhar junto, escutar a conversa. Jesus faz perguntas, pois quer saber o que eles estão falando (Lc 24,15-19). Ele só começa a usar a Bíblia depois que eles conseguiram expressar o problema que os fazia sofrer. Jesus usa a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para iluminar o problema que os fazia sofrer (Lc 24,25-27). A Bíblia, ela sozinha, não abriu os olhos dos dois discípulos. A Bíblia, isto sim, faz arder o coração (Lc 24,32). O que abriu os olhos e os fez enxergar foi o gesto da hospitalidade, de sentar juntos à mesa para rezar e partilhar o pão. Aí os olhos se abriram e eles mesmos ressuscitaram (Lc 24,28-31). Imediatamente, eles levantam e voltam para Jerusalém (Lc 24,32-35).

JESUS, MINISTRO DA PALAVRA
Um pequeno Manual para Ministros e Ministras da Palavra tendo Jesus como guia e modelo
Carlos Mesters, O.Carm.
Francisco Orofino

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